segunda-feira, 6 de abril de 2009

KARL POPPER - FILOSOFIA E PROBLEMAS


Depois de Popper

Otávio Bueno

ANTHONY O'HEAR
Entre outubro de 1994 e março de 1995, o "Royal Institute of Philosophy" promoveu em Londres uma série de 15 conferências dedicadas à filosofia de Karl Popper. Este livro reúne os ensaios então apresentados, juntamente com uma introdução do organizador, e reflete bem a variedade da obra de Popper. Redigidos por colegas, discípulos ou simpatizantes, os capítulos abordam os principais aspectos do pensamento de Popper e podem ser agrupados em cinco categorias.
Na primeira, examinam-se criticamente as contribuições de Popper à filosofia da ciência. Os problemas da racionalidade científica e do uso de inferências indutivas são analisados por Newton-Smith, para quem uma investigação acerca da ciência não deve partir de considerações relativas ao método científico, mas empreender uma análise da própria racionalidade da ciência em termos de valores institucionais. Lipton apresenta uma reformulação confiabilista da questão do conhecimento, segundo a qual o conhecimento é uma crença verdadeira produzida por métodos confiáveis, e sugere que a concepção de Popper poderia evitar o ceticismo se adotasse tal proposta. Zahar retorna ao célebre problema da base empírica, argumentando que Popper necessita justificar os enunciados básicos da ciência para não cair numa forma danosa de relativismo. Finalmente, o problema da mudança científica é discutido por Worrall, que critica a proposta de Popper por não acomodar adequadamente os processos de refutação de teorias e de formulação de novas conjeturas na ciência.
O segundo grupo de ensaios desloca a discussão para o exame das relações entre probabilidade, determinismo e indeterminismo no interior da concepção de Popper. A ênfase recai, em particular, sobre a teoria popperiana das propensões, apresentada e discutida por Gillies e Miller. Este último examina criticamente as várias caracterizações do determinismo e do indeterminismo propostas por Popper e o modo como o indeterminismo reforça e é reforçado pela teoria das propensões. Em sua contribuição, Clark critica os argumentos de Popper que procuram vincular indeterminismo e criatividade, bem como seu uso da teoria das propensões para resolver certos paradoxos da mecânica quântica.
Em seguida, consideram-se as aplicações das propostas de Popper à ciência. Embora Redhead critique detalhes das sugestões de Popper concernentes à mecânica quântica, ele até admite que Einstein pode ter sido, no famoso artigo de Einstein-Podolsky-Rosen, influenciado por Popper. Por outro lado, Wächtershäuser defende a tese de que, ao menos em certos domínios, a biologia exemplifica a proposta popperiana de desenvolvimento não-indutivo do conhecimento em direção à verdade.
As discussões acerca da teoria da evolução constituem o assunto principal do quarto grupo de artigos, em que Watkins e Smithurst expõem criticamente as interpretações de Popper.
Finalmente, aspectos da filosofia política e social de Popper são considerados no último grupo de ensaios. No entender de Minogue, Popper não proporciona um modelo apropriado de explicação histórica, e Macdonald critica o anti-historicismo popperiano. Com base em sua própria experiência como membro do Parlamento britânico, Magee considera o uso que um político pode fazer das propostas de Popper, ao passo que Kiesewetter examina os fundamentos éticos da filosofia popperiana.
Numa avaliação geral do livro, duas questões parecem básicas: (1) em que medida tais contribuições proporcionam novos desenvolvimentos sugeridos pelas idéias de Popper? e (2) em que aspectos elas esclarecem nossa compreensão do pensamento popperiano?
Como se viu, o cunho da maior parte dos trabalhos é bastante crítico. As idéias de Popper, após criticadas, são tomadas como ponto de partida para a reflexão original dos autores. Não se esperaria menos, é claro, de um volume dedicado a um racionalista crítico. Todavia, com frequência, as críticas estão longe de ser conclusivas; muitas delas foram explicitamente discutidas e recusadas pelo próprio Popper.
Considere-se, por exemplo, a crítica de Zahar de que Popper necessitaria de uma base empírica justificada para evitar um relativismo teórico na ciência. Popper sempre enfatizou o caráter provisório e revisável da base empírica, recusando toda forma de justificacionismo. Todavia, ele não deixou de salientar que a existência de critérios intersubjetivos de escolha para os enunciados que constituem a base empírica é suficiente para a viabilidade do conhecimento científico.
Por sua vez, Worrall critica a proposta popperiana por não acomodar, de forma adequada, o processo de refutação de teorias. A seu ver, isso se deve à celebre tese de Duhem, segundo a qual não se testa (nem se refuta) uma teoria científica de forma isolada, mas apenas um sistema teórico como um todo (que envolve diversos tipos de hipóteses auxiliares). Mas essa crítica não procede, uma vez que Popper adota explicitamente a tese de Duhem como parte de sua noção de sistema teórico.
Também certas soluções alternativas que foram sugeridas estão longe daquilo que um popperiano admitiria. Lipton, por exemplo, ao sugerir uma concepção confiabilista do conhecimento, assume pelo menos dois pontos que Popper claramente recusou: a introdução de inferências indutivas na análise do conhecimento e a idéia de que o conhecimento deve ser analisado como um tipo de crença.
Cumpre notar que há pontos muito esclarecedores ao longo de todos os ensaios. Retrospectivamente, e também como uma apreciação geral da obra, é impressionante notar o quanto o pensamento de Popper, embora nem sempre apresentado com muita simpatia, é ainda capaz de gerar novas idéias.
Otávio Bueno é doutorando em filosofia da Universidade de Leeds (Inglaterra).

Folha de São Paulo

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