terça-feira, 28 de abril de 2009

EINSTEIN VIVEU AQUI


Um fenômeno planetário
Michel Paty

Esta nova obra de Abraham Pais vem juntar-se à sua bela biografia científica de Einstein "Sutil é o Senhor..." (Nova Fronteira, 1995). Físico americano de origem holandesa, nascido em 1918, Pais chegou em 1944 como jovem pesquisador em Princeton (EUA), onde teve a oportunidade, durante uma dezena de anos (até a morte de Einstein), de conversar regularmente com o inventor da teoria da relatividade geral e trabalhar no domínio então em plena efervescência da física quântica, que fora inaugurado por Einstein e sobre o qual este manifestava sua constante insatisfação.
Para escrever tal biografia, o físico de partículas quânticas havia atuado como historiador da ciência, apoiando-se em documentos, muitas vezes inéditos, recolhidos nos arquivos de instituições e cientistas da Europa e da América, sempre se utilizando de seu profundo conhecimento de física. O presente volume, que é uma espécie de complemento do primeiro, dedica-se sobretudo aos aspectos privados e públicos da vida de Einstein. Igualmente rico em materiais de arquivo, baseia-se também em numerosas declarações pessoais, o que torna seu conteúdo mais variado.
A primeira metade do volume é consagrada à evocação, que muitas vezes serve de retificação, sempre bem-vinda e necessária, de certos episódios mal conhecidos da vida de Einstein e de seus próximos, que às vezes têm dado lugar a comentários fantasiosos e malevolentes. Assim, refere-se à sua primeira mulher, Mileva, ao destino trágico de dois dos seus três filhos (Lieserl, que morreu com pouca idade, e Eduard, muito dotado mas esquizofrênico), ao filho Hans Albert, que teve uma brilhante carreira de engenheiro, ao seu divórcio e posterior casamento com a prima Elsa, às circunstâncias da atribuição do Prêmio Nobel etc. Há ainda um precioso capítulo sobre a secretária fiel e eficiente, Helen Dukas, que participou das tribulações da família Einstein antes do exílio e foi a primeira organizadora de seus arquivos; estudiosos de Einstein de todo o mundo (inclusive o signatário destas linhas) lembram-se dela como uma correspondente gentil e amigável.
A segunda parte do livro é ocupada por um longo capítulo sobre Einstein e a imprensa. O título do livro foi extraído de uma charge que apareceu no "Washington Post", na ocasião da morte de Einstein, representando o cosmos com suas esferas; sobre uma delas, nossa Terra, figura a inscrição: "Albert Einstein lived here". Pais oferece-nos o resultado de uma meticulosa investigação sobre as referências a Einstein na imprensa, principalmente após a data decisiva que lhe asseguraria uma celebridade inegável: novembro de 1919, quando foi anunciado, pouco após cessarem os canhões da Primeira Grande Guerra, o resultado da curvatura dos raios luminosos nas proximidades do Sol, registrado por ocasião do eclipse, no mês de maio anterior, observado no golfo da Guiné (África) e em Sobral no Ceará (Brasil). O triunfo da teoria da relatividade geral, da nova teoria da gravitação, fez de seu autor um novo Newton.
A abundante descrição da imprensa em ordem cronológica está acompanhada de digressões motivadas por um ou outro dos assuntos abordados. Elas tocam, na verdade, em aspectos da vida de Einstein, vistos da perspectiva do espectador, para quem se escrevem as crônicas dos jornais. Dizem respeito à sua imagem pública, à admiração e ódio que ela suscitou, às viagens pelo mundo que frequentemente o fizeram um embaixador da paz entre nações em conflito, à sua luta contra o nazismo, à sua defesa dos direitos civis (conduzidas com clarividência e coragem), ao seu envolvimento na questão atômica, à sua relação com o judaísmo e Israel, à sua concepção de uma Palestina onde judeus e árabes viveriam em paz e com igualdade de direitos. A vida de Einstein foi a de um homem "justo", profundamente humano, dedicado ao pensamento, numa busca incessante e solitária, em sua pesquisa sobre as teorias físicas, de alguma coisa que ainda se chama verdade.
Este livro de Pais torna tudo isso muito presente, em um estilo direto, que não se preocupa com a elegância. A prioridade atribuída à utilização de documentos inéditos acaba muitas vezes por negligenciar estudos já existentes sobre vários dos tópicos considerados, o que acentua o caráter subjetivo da obra, que o próprio autor não deseja ocultar.
Um dos capítulos mais significativos deste livro trata das relações entre Einstein e Bohr e esboça uma comparação entre eles. Pais, que conheceu ambos, considera-os como "as duas figuras mais importantes da ciência neste século". Sua admiração por Einstein não o faz esquecer que é um filho espiritual de Bohr, com o qual trabalhou desde seu início e chegou a participar da vida familiar, e ao qual dedicou a biografia "Niels Bohr's Times, in Physics, Philosophy, and Polity" (Clarendon Press, 1991). O paralelo, que poderia parecer exagerado, não é nada surpreendente em sua análise. Einstein e Bohr foram duas personalidades cativantes, próximas até um certo ponto, a partir do qual suas escolhas intelectuais divergiram irrevogavelmente; seu debate sobre a significação da física quântica -uma das duas grandes teorias físicas contemporâneas, juntamente com a relatividade geral- pode seguramente ser chamado o "debate do século" sobre o conhecimento da natureza.
Ambos fumavam cachimbo, apreciavam as artes visuais, tinham espírito mais intuitivo que analítico, eram grandes leitores, dotados de senso de humor, capazes de uma concentração extrema de pensamento, "observadores vivazes da natureza humana" e mantinham opiniões progressistas. Foram conduzidos à filosofia, mas de maneira muito diferente. Einstein conhecia melhor o pensamento dos filósofos, cujas obras lia regularmente, enquanto Bohr preocupava-se sobretudo com "considerações epistemológicas gerais sobre a função da língua como meio de comunicar a experiência", que fizessem desenvolver sua "filosofia da complementaridade", que muitos resistiam a aceitar. Também Einstein não hesitou em dizer que nunca compreendeu claramente aquilo que Bohr exatamente supunha, recusando-se a admitir que não se possa (como quer Bohr) falar da realidade física independentemente dos dispositivos experimentais que nos fazem observá-la. Mais precisamente, Bohr procurava uma representação que nos permitisse "falar de modo produtivo sobre os fenômenos da natureza", enquanto Einstein preocupava-se com a inteligibilidade racional desses fenômenos, reveladores de uma realidade ordenada subjacente.
Pais, um bohriano convicto e impenitente, pensa que "a exegese da teoria quântica de Bohr é a melhor que temos até hoje" e lamenta que um espírito tão notável quanto Einstein ("que contribuiu de modo tão incomparável para a criação da física moderna") não tenha aderido à complementaridade. A seu ver, não só as críticas de Einstein à interpretação ortodoxa da mecânica quântica são um ponto fraco do cientista, mas também suas pesquisas sobre o campo contínuo unificado (conduzidas após 1925) não têm maior interesse; em nada sua glória seria diminuída se, em lugar de fazer tal trabalho, ele tivesse dedicado esse tempo à pesca. O julgamento é claro e sem nuanças, mas unilateral e dogmático. Outros físicos, especialmente aqueles mais sensíveis às sutilezas epistemológicas, pensam de forma totalmente diferente. Pelo menos essa franqueza é de um homem sincero, que não receia expor, além das admirações, suas íntimas convicções. Sem compartilhá-las, não se lerá com menos proveito e prazer este livro, fruto de uma investigação perfeitamente honesta.
Michel Paty é diretor de pesquisas do Centre National de Recherche Scientifique (França), professor na Universidade Paris 7 e autor, entre outros, de "A Matéria Roubada" (Edusp).

Folha de São Paulo

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