quarta-feira, 3 de dezembro de 2008

TADAO ANDO

A forma pura
11/Jul/98
Marcelo Suzuki

MASAO FURUYAMA
Desde as primeiras aparições na mídia dos chamados "livros de arte", Tadao Ando, arquiteto japonês nascido em 1941, chamou a atenção pela firme clareza. Sua obra parecia limpa e definida, num meio todo novidadeiro, cheio de trejeitos, ora parafernalhosos (o pessoal "hi-tec"), ora recheados de reminiscências apressadamente batizadas de "pós-modernas". Muitos arquitetos japoneses estavam fazendo isso, num Japão que exalava prosperidade, e Ando surgiu de modo diferente.
As primeiras imagens chegaram aqui no final dos anos 70 por intermédio da revista "GA" ("Global Architecture"), de excelente qualidade gráfica e editorial, na época inigualável em todo o mundo, dirigida e editada por um grande fotógrafo de arquitetura, Yukio Futagawa.
O que encontrávamos em Tadao Ando, que era de imediato decodificável? Ou, digamos assim, próximo, ao menos nas suas proposições mais fundamentais? Parecia arquitetura brasileira. Folheando de novo as mesmas publicações de então, o que se vê é, de um lado, um amontoado de belas imagens de época e que hoje não têm mais tanta importância e, de outro, Tadao Ando.
Para enquadrá-lo, surge um "ismo" que já não era novo: "minimalista" -redução burocrática e tão simplista quanto chamá-lo de "monotonal". Críticos brasileiros adotaram a expressão para tentar entender a própria arquitetura brasileira -que, portanto, não entenderam. Com um pouco mais de tempo passado, o que já se pode afirmar é que Tadao Ando se aguentou fora dos modismos confirmadamente efêmeros, manteve critérios e partidos arquitetônicos mais sérios em cada um de seus projetos, mesmo os não realizados ou irrealizáveis por limitações que, muitas vezes, são meramente circunstanciais.
A neutralidade na utilização de materiais, a perfeita escolha do posicionamento de aberturas ou janelas, o volume resultante do conjunto e sua implantação no terreno o colocam muito próximo das preocupações que nortearam a moderna arquitetura brasileira e são, por isso mesmo, identificáveis para nós.
Algumas questões surgiam. Por exemplo, não terá sido mero cacoete de época a marcação de uma direção (diz-se "eixo" entre os arquitetos), com uma parede solta ao longo do lote ou com uma sequência de pilares? Lâminas (paredes) que cortam obliquamente os volumes, ou a eles se contrapõem, não serão simples recursos estilísticos? A utilização de grelhas estruturais, como uma quadrícula espacial, que sugere um volume virtual e que, incompleto, fecha somente porções deste reticulado, se justifica enquanto raciocínio estrutural? A soma das questões anteriores em um mesmo projeto não daria um resultado maneirista e frívolo?
Quando se vê a "Igreja na Água" (em Hokkaido, construída entre 1985 e 1988), descobre-se o quanto o desenho e a intenção atingem a plenitude do projeto. Mesmo as quatro cruzes que encimam o conjunto e que pareciam somente recompor a retícula, reafirmando a grelha estrutural, na verdade circundam uma cobertura translúcida e provocam ao longo do dia diferentes projeções de sombra, criando novo significado, que reúne forma e função, beleza fundamental e técnica para saber fazer.
Aqui entra mais um aspecto importante da obra de Ando: seu domínio sobre a luz natural, mediante a utilização de paredes, tetos translúcidos ou a já citada colocação das janelas (diz ele que, se pudesse, não colocaria nada, abolindo, definitivamente, qualquer elemento que se interponha entre interior e exterior, construção e natureza, mesmo que esta última seja o rigoroso inverno japonês ou o poluído ambiente das cidades).
Em toda sua obra, sente-se o poder do desenho, atributo humano e tarefa de arquitetos, que ele realiza com especial dedicação: são pranchas de grande tamanho, realizadas a grafite, cujo resultado traduz com precisão o objetivo inicial. Está tudo lá: geometria, sombra e luz, volume -arquitetura, enfim.
"Tadao Ando" é lançado agora como mais um título da coleção "Arquitetos" , ao lado de outros grandes nomes da arquitetura moderna, como Le Corbusier, Mies van der Rohe, Alvar Aalto, Gaudí, Louis Kahn, e da contemporânea, como Alvaro Siza, Jean Nouvel e Mario Botta. Apresentado em duas versões, em formato brochura e em formato maior, o volume não possui a qualidade gráfica que hoje já não custa nem mais tão caro e traz poucas ilustrações de uma mesma obra.
Em contrapartida, tem a grande qualidade de constituir uma bibliografia completa sobre as obras do autor, organizada por temas e, dentro de cada tema, por datas. Traz ainda excelentes textos de apresentação e, para os projetos, explicações sucintas do próprio autor. Isso torna a coleção obrigatória para estudantes e amantes da arquitetura, permitindo igualmente que os leigos possam se interessar pelo assunto.
A apresentação é feita por Masao Furuyama. Didaticamente, ele consegue explicar de maneira abrangente a obra do arquiteto, muito embora o texto por vezes fique um tanto denso e, com certeza, de compreensão meio difícil para iniciantes. Talvez seja um pouco precipitado dividir a obra arquitetônica de Ando em três categorias, ficando muito mais clara a trajetória firme e coerente, que parte da pequena casa Azuma e atinge os grandes complexos arquitetônicos ou urbanísticos em Kyoto e Nara.
A casa Azuma, de 1975, posteriormente premiada, é quase um laboratório de ensaios que já contém as principais características que Ando desenvolverá, mesmo em grande escala. Parecida com a arquitetura moderna brasileira, mostra a angústia de fazer com que uma forma geométrica, simples e legível para o usuário, domine a intrincada destinação funcional do edifício, e se livre de meandros que atrapalhem o rigor e a precisão que deve unir intenção e forma final.

Marcelo Suzuki é arquiteto e professor na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo de São Carlos.

Folha de São Paulo

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